Selic a 14,75% – Ótimo Negócio? Será?
Você já sentiu aquele frio na barriga ao olhar para seus investimentos? Aquele medo de estar perdendo dinheiro ou, pior, deixando uma grande oportunidade passar? Em tempos de taxa SELIC nas alturas, essa sensação é comum.

Selic atual: 14,75%
Ainda mais quando ouvimos os jornais anunciarem em alto e bom tom, que podemos receber 14,75% de retorno após 1 ano de investimento, sem esforço algum. Mas será mesmo?
Muitos correm para a “segurança” do Tesouro Direto, atraídos pelos juros altos e aparentemente garantidos. Parece o caminho óbvio, certo? Mas e se essa segurança for uma ilusão que te impede de multiplicar seu capital de verdade?
A verdade é que a mesma SELIC alta que torna o Tesouro Direto atraente pode estar criando barganhas incríveis na bolsa de valores. Juros elevados tendem a “amassar” o preço das ações de excelentes empresas, criando distorções entre o preço e o valor real.
Nesse sentido, o Tesouro Direto, nesse cenário (SELIC nas alturas) não deveria ser o seu investimento principal. A única utilidade real do Tesouro Direto (quando a SELIC está super baixa) é ser um lugar estratégico para guardar seu dinheiro temporariamente. Essa é a ideia central que vamos explorar: usar o Tesouro Direto apenas para caixa.
Eu sou Arlei Oliveira, e aqui no blog Meia Ficha, nosso propósito é descomplicar o mercado financeiro para você. Acreditamos no investimento em ações a longo prazo, focado na capacidade das empresas de gerar valor e superar a inflação, sem depender de sorte ou intervenção governamental.
Para entender por que a estratégia do Tesouro Direto apenas para caixa pode fazer sentido, precisamos mergulhar nos conceitos que ligam a taxa SELIC ao preço das ações. Vamos descobrir isso na próxima seção.
SELIC vs Ações: A Teoria por Trás do “Tesouro Direto só Para Caixa”
Para começar, vamos entender a famosa Taxa SELIC. De forma simples, ela é a taxa básica de juros da economia brasileira, definida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BCB). Pense nela como a referência para todas as outras taxas.

Tesouro Direto Não Gera Produtividade
Quando o BCB sobe a SELIC, o objetivo principal é controlar a inflação. Juros mais altos desestimulam o consumo e o investimento das empresas, pois o crédito fica mais caro. Isso ajuda a frear a alta dos preços, mas também desacelera a atividade econômica.
Essa desaceleração impacta as expectativas de lucro futuro das empresas. E aqui começa a conexão com o preço das ações e o indicador Preço/Lucro (P/L).
O P/L nos diz quanto o mercado está disposto a pagar por cada R$ 1,00 de lucro que uma empresa gera. Um P/L baixo pode ser um sinal de que a ação está barata em relação aos seus lucros.
Quando a SELIC sobe, os investidores passam a exigir um retorno maior para aplicar seu dinheiro, já que podem conseguir taxas elevadas em investimentos considerados mais seguros, como o Tesouro Direto. Essa exigência maior funciona como uma “taxa de desconto” mais alta ao avaliar o valor presente dos lucros futuros de uma empresa.
Imagine que você está calculando quanto vale hoje o lucro que uma empresa vai gerar daqui a um ano. Se a taxa de desconto (influenciada pela SELIC) for alta, esse lucro futuro valerá menos hoje. É matemática pura: uma taxa de desconto maior (taxa de juros a longo prazo) diminui o valor presente dos fluxos de caixa futuros.

Fórmula do Valor Presente
Onde “n” é o tempo. Se a “Taxa de Desconto” sobe, o “Valor Presente” cai. Isso pressiona o “P” (Preço da ação) para baixo, mesmo que o “L” (Lucro) continue sólido. O resultado? P/Ls mais baixos.
Grandes investidores como Benjamin Graham já ensinavam a importância de comprar ativos com “margem de segurança”, ou seja, pagar um preço significativamente abaixo do seu valor intrínseco. Esses momentos de pessimismo, como os períodos de juros altos, costumam oferecer essas oportunidades.
“Preço é o que você paga. Valor é o que você leva.”, Warren Buffett
Essa frase de Warren Buffett, discípulo de Graham, resume bem a ideia. A SELIC alta pode derrubar o preço (P), mas não necessariamente o valor (L) de uma boa empresa.
Outro ponto crucial é a inflação, medida oficialmente pelo IPCA. Ela corrói seu poder de compra. Historicamente, boas empresas conseguem repassar a inflação para os preços de seus produtos e serviços, protegendo seus lucros e, consequentemente, o valor para o acionista no longo prazo.
Já os títulos do Tesouro Direto de longo prazo, como o IPCA+ ou Prefixado, embora ofereçam alguma proteção ou taxa definida, carregam outros riscos. A percepção de risco fiscal do Brasil pode fazer com que o governo precise pagar prêmios maiores nesses títulos, o que embute uma desconfiança do mercado sobre a capacidade de pagamento ou a manutenção do poder de compra no futuro distante. Isso torna a comparação com ações ainda mais complexa.
Você pode visualizar a dinâmica da SELIC e do IPCA consultando os gráficos históricos disponíveis no site do Banco Central. Observe como os picos da SELIC frequentemente acompanham períodos de inflação elevada. Dados da ANBIMA também mostram como, nesses períodos, o dinheiro migra para fundos de renda fixa.
Essa dinâmica entre juros, preços e inflação não fica só nos gráficos e livros. Ela afeta diretamente o seu bolso e suas escolhas diárias. Vamos ver como na próxima seção.
Juros Altos e O Impacto Real no Seu Cotidiano
A taxa SELIC alta não é apenas um número nos noticiários. Ela entra na sua vida de formas bem concretas. O financiamento daquele carro dos sonhos fica mais caro, o empréstimo para reformar a casa pesa mais no orçamento, e até a fatura do cartão de crédito parece morder uma fatia maior da sua renda.
Naturalmente, isso nos torna mais cautelosos. Cortamos gastos supérfluos, adiamos planos e, na hora de investir, a busca por segurança aumenta. É nesse momento que o “canto da sereia” da renda fixa fica mais alto.
Ver o dinheiro rendendo 1% ao mês (ou mais) no Tesouro Direto ou em um CDB parece um alívio, uma decisão inteligente diante das incertezas da bolsa, que muitas vezes aparece nas manchetes com notícias negativas durante esses períodos. Esse sentimento é compreensível.
Mas aqui entra o custo oculto: o custo de oportunidade. Imagine a SELIC a 14,75% ao ano. Seu dinheiro no Tesouro Selic rende próximo a isso (antes dos impostos). Parece excelente, não?
Agora, pense em uma empresa sólida, líder em seu setor, cujas ações caíram tanto devido ao pessimismo geral que seu P/L está em 5, um nível historicamente baixo para ela. Se essa empresa tem fundamentos fortes e potencial para se recuperar quando os juros caírem, talvez dobrando de preço em alguns anos, aqueles 14,75% da renda fixa começam a parecer menos atraentes.
O custo de oportunidade foi ter deixado de investir na ação (com risco, claro) para ficar na “segurança” da renda fixa, perdendo a chance de uma valorização muito maior. Focar apenas no retorno “garantido” pode te impedir de construir riqueza de forma mais acelerada. Usar o Tesouro Direto só para caixa te ajuda a não cair nessa armadilha.
Nesses momentos, também somos vítimas de vieses comportamentais. O “efeito manada” é poderoso. Quando todos ao seu redor, incluindo a mídia, só falam dos juros altos e da “segurança” do Tesouro Direto, a tendência natural é seguir a multidão.
Ignoramos a lógica fundamental de “comprar na baixa e vender na alta”. O medo de perder dinheiro na bolsa (aversão ao risco) ou o medo de ficar de fora dos ganhos da renda fixa (FOMO – Fear of Missing Out) nos levam a tomar decisões que nem sempre são as mais racionais para o longo prazo.
Pense em setores que dependem muito de crédito, como o varejo ou a construção civil. Em cenários de juros altos, eles costumam sofrer mais, e suas ações podem ficar “baratas demais”. Em contraste, setores com receitas mais previsíveis, como energia elétrica ou saneamento, podem ser mais resilientes, mas ainda assim sentir a pressão no preço das ações. Identificar essas distorções é chave.
Perceber como esses conceitos econômicos moldam nossas escolhas e até nossos medos é crucial. Mas será que essa ideia de comprar ações na alta da SELIC funcionou na prática? A história nos traz lições valiosas sobre isso, como veremos a seguir. Não saber disso pode custar caro no futuro.
Oportunidades Além do Tesouro Direto em Tempos de Juros Altos
Olhar para o passado não é garantia de retornos futuros, mas é uma ferramenta poderosa para entender padrões e comportamentos do mercado financeiro brasileiro, que é marcadamente cíclico.
Vamos analisar alguns períodos em que o Brasil enfrentou taxas SELIC elevadas, como em 2002-2003 ou mais recentemente em 2015-2016. O que aconteceu com a bolsa de valores (Ibovespa) depois que a taxa SELIC começou a cair nesses períodos?
Geralmente, o que se viu foram fortes altas no mercado de ações. Quem teve a coragem e a visão de comprar ações de boas empresas durante o pico do pessimismo, quando os juros estavam altos e muitos só pensavam em renda fixa, colheu frutos generosos na recuperação.
Nesses períodos de SELIC alta, não era raro encontrar o P/L médio do Ibovespa ou de setores inteiros em mínimas históricas. Era o mercado precificando o cenário negativo, exatamente as distorções que mencionamos.
Compare o desempenho do Ibovespa nos anos seguintes à queda da SELIC com o rendimento do CDI (um indicador que acompanha de perto o Tesouro Selic) no mesmo período. A renda fixa entregou o rendimento esperado, seguro e previsível. Mas a bolsa, para quem entrou no momento certo, entregou multiplicações de capital muito mais expressivas.
Isso demonstra claramente a natureza cíclica das oportunidades. A “segurança” da renda fixa durante a crise pode significar perder a grande onda de valorização das ações na virada do ciclo.
Comparativo Histórico Simplificado (Exemplo Ilustrativo)
Período de SELIC Alta | SELIC Média (Aprox.) | P/L Médio Ibov (Aprox.) | Retorno Ibov (2 anos seguintes) | Retorno CDI (2 anos seguintes) |
2002-2003 | ~20-25% | ~5-7x | Forte Alta | ~40-50% (nominal acumulado) |
2015-2016 | ~14.25% | ~8-10x | Forte Alta | ~25-30% (nominal acumulado) |
(Nota: Valores são aproximados para fins ilustrativos e podem variar dependendo da fonte e metodologia exata).
Um investidor alinhado à filosofia do Meia Ficha, focado em encontrar boas empresas e investir para o longo prazo, pode aproveitar esses período que estamos passando para acumular ações a preços descontados, pacientemente.
E onde entra o Tesouro Direto nessa história? Exatamente como uma ferramenta tática. Após a bolsa subir significativamente com a queda dos juros, o investidor poderia realizar parte dos lucros (vender algumas ações que se valorizaram muito) e, aí sim, alocar esse dinheiro no Tesouro Direto (Selic) apenas para caixa. Esse caixa estaria “seguro” (já alertei sobre os perigos do Tesouro Direto aqui nesse outro artigo) e líquido, pronto para ser usado na próxima oportunidade que o ciclo do mercado oferecer.
Essa abordagem transforma o Tesouro Direto apenas para caixa em uma peça estratégica do seu portfólio, e não o destino final do seu dinheiro quando as ações estão baratas.
A história nos ensina que ciclos existem e que momentos de pessimismo podem esconder grandes oportunidades para quem pensa diferente e tem estômago para ir contra a manada. Entender isso é o primeiro passo para usar o Tesouro Direto apenas como caixa de forma estratégica. Vamos recapitular o que aprendemos e como aplicar isso na sua jornada.
Use o Tesouro Direto Como Caixa e Potencialize Seus Ganhos
Chegamos ao fim da nossa conversa e espero que você tenha percebido uma nova perspectiva sobre como encarar seus investimentos, especialmente em tempos de SELIC alta. Vamos recapitular os pontos principais:
Primeiro, SELIC alta, embora pareça boa para a renda fixa, pressiona o preço das ações para baixo. Isso acontece tanto pela matemática financeira (taxa de desconto maior) quanto pelo sentimento geral de pessimismo no mercado, criando potenciais barganhas com P/Ls baixos em boas empresas.
Segundo, empresas resilientes têm uma capacidade histórica de se proteger da inflação no longo prazo, repassando custos e preservando valor, algo que a renda fixa governamental, especialmente a de longo prazo, pode ter dificuldade em garantir totalmente devido aos riscos fiscais do nosso país (lembre-se que o governo é o dono da impressora de dinheiro).
Terceiro, a história do mercado brasileiro nos mostra um padrão: períodos de juros altos e pessimismo foram frequentemente seguidos por fortes altas na bolsa. Quem investiu em ações nesses momentos teve retornos muito superiores aos da renda fixa na recuperação.
Diante disso, a estratégia de usar o Tesouro Direto como caixa ganha força. Ele se torna uma ferramenta tática excelente para guardar sua reserva de oportunidade ou para realizar lucros após uma alta expressiva das suas ações, mantendo a liquidez e a segurança para o próximo ciclo. Não é o investimento principal quando há promoções na bolsa.
Emprestar dinheiro ao governo, não deveria ser o investimento principal de ninguém. O governo não gera retorno algum em produtividade ao país com o dinheiro auferido!

Governo usando o seu dinheiro
Compreender e aplicar essa visão pode te libertar do “efeito manada” e permitir que você tome decisões mais racionais, alinhadas com seus objetivos de longo prazo e com a busca pela liberdade financeira que tanto valorizamos aqui no Meia Ficha. É sobre entender as regras do jogo e usar cada peça – incluindo o Tesouro Direto – da forma mais inteligente possível.
Agora que você entendeu por que usar o Tesouro Direto como caixa pode ser uma estratégia vencedora em tempos de SELIC alta, talvez seja do seu interesse aprofundar seus conhecimentos em como analisar empresas e encontrar essas barganhas. Recomendamos a leitura do nosso artigo “Investindo em Valor” que ensina os primeiros passos.
E para complementar, entender melhor como avaliar e identificar as melhores empresas para comprar. Confira nosso artigo “Valuation com Aswath Damodaran” que explica esse pensamento.
Muito obrigado por dedicar seu tempo a esta leitura! Esperamos que tenha sido útil para sua jornada como investidor.
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E você, qual sua opinião sobre o Tesouro Direto em tempos de SELIC alta? Concorda que ele serve apenas para caixa nesses momentos? Deixe sua opinião nos comentários abaixo, adoraríamos saber o que você pensa!

Continue aprendendo…
Para quem deseja se aprofundar nos temas abordados, seguem algumas fontes e referências úteis que usei nesse artigo:
- Tesouro Direto – Site Oficial: Entenda os Títulos e Simulador (https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/divida-publica-federal/tesouro-direto)
- Banco Central do Brasil – Sistema Gerenciador de Séries Temporais (SGS): Consulta de SELIC, IPCA, etc. ( https://www3.bcb.gov.br/sgspub/)
- Banco Central do Brasil – Perguntas Frequentes sobre a Taxa Selic (https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/taxaselic)
- ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) – Estatísticas e Publicações sobre Fundos de Investimento (https://data.anbima.com.br/)
- IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – Dados sobre IPCA (https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html)
- B3 (Bolsa de Valores do Brasil) – Educação Financeira e Dados de Mercado
- Graham, Benjamin – O Investidor Inteligente – Livros Recomendados
- Damodaran, Aswath – Avaliação de Empresas – Livros Recomendados
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